O processo de
regionalização é, antes de mais, uma reacção contra o centralismo no país, vindo
da ilha que sempre lutou contra o centralismo, pela democratização do
desenvolvimento e por um maior equilíbrio de poder entre às ilhas.
Na verdade,
São Vicente e a sua elite representam, ainda, a réstia da intelectualidade
presente nas ilhas e que não estão centralizadas na capital do país, que detém
a quase totalidade das universidades e do conhecimento científico gerado.
Porquê
regionalizar? A pergunta parece simples mas traduz nela a complexidade do
processo e a necessidade que as ilhas sentiram de se afirmarem no plano
cultural, político, económico e social. Se é verdade que no país a
homogeneidade identitária nunca foi posta em causa, não é de se menosprezar as
diferenças culturais presentes nas ilhas, pois, a diversidade não pode ser
encarada com sentido pejorativo, ela é uma riqueza imensurável do povo das ilhas,
que ao serem bem aproveitados, poderão se consubstanciar numa mais-valia para o
todo nacional.
A
centralização do país nos últimos anos é, de facto, uma evidência inegável.
Esta centralização decorre não só do enorme desequilíbrio na economia nacional,
mas também, das dinâmicas próprias do desenvolvimento, de entre as quais,
podemos destacar a terciarização da economia nacional, que deu azo ao fenómeno
sobejamente conhecido como - o êxodo rural - que na Brava, foi agudizado pela,
já antiga, veia migratória dos Bravenses.
O
economista Adam Smith, há muitos anos atrás, demonstrou que as economias
dependem muito da capacidade do seu povo de empreender e produzir, mas também,
dependem do equilíbrio útil entre produtores e consumidores. Hoje sabemos que a
economia de qualquer país depende não só da produtividade dos seus
trabalhadores, assim como, da produtividade do seu stock de capital (conceito
de difícil explicação, pois ao contrário do stock de trabalhadores, não é
mensurável em unidades físicas). Porém, a variável, consumo, continua a ser
determinante para aferirmos o grau de crescimento de economias.
O
Estado ocupa um papel central na definição das políticas públicas, por isso,
como árbitro e moderador do sistema, compete-lhe criar as condições para que,
na atuação dos diversos agentes, estes tenham condições de criar riqueza e
gerar bem-estar às populações, ou seja, gerar crescimento económico e
desenvolvimento.
O
êxodo rural é um processo complexo, dinâmico e transversal que atingiu quase
todos os países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Em Cabo Verde ele
acentuou-se no pós- crise do sub-prime de 2008 e durante a recessão económica
que se deu numa parte significativa do país, enquanto a capital continuava a
crescer de forma robusta.
A
diferença do fenómeno do êxodo rural em Cabo Verde com o resto do mundo é que
ele foi considerado um processo, demasiadamente normal, como fazendo parte da
própria idiossincrasia do povo, o que não permitiu que houvesse um estudo
aprofundado das causas e consequências da
perda
da população, em alguma ilhas e da Brava em particular, que estou em crer, foi
das ilhas que mais população perdeu nos últimos anos. Assim, a perda da
população não incitou nos governantes a necessidade de se tomarem medidas,
plasmados em programas políticos, que visassem a criação de condições
específicas para a manutenção da população autóctone.
Nos
países desenvolvidos é visível a preocupação dos governos com a desertificação
das zonas rurais o que, por si só, representa uma preocupação com a perda de
identidades culturais. Na Brava, várias zonas foram completamente despovoadas,
sem que houvesse uma preocupação com este fenómeno.
Além
das questões sociais, a económica é, com efeito, a que mais preocupação
levanta. A economia de Cabo Verde assenta numa desigualdade enorme na
produtividade económica entre as ilhas, sendo muito dependente do turismo de
sol e praia, as ilhas que mais se desenvolveram, nos últimos anos, foram as que
se ancoraram nesta tipologia de turismo como fonte de desenvolvimento. Desta
forma, não é de se espantar que Boavista e Sal tenham tido um exponencial
crescimento na última década, enquanto, outras ilhas, como a nossa, fizeram o
percurso inverso, sendo que, de acordo com os últimos dados conhecidos do INE
contribuímos entre 0.8-1% para o PIB nacional, o que é manifestamente pouco.
A
desigualdade económica é preocupante, porém, antes de procurarmos saber o
porquê desta desigualdade, convém, perceber que um governo centralizado na
capital do país não consegue responder às necessidades imediatas dos mais
recônditos sítios do país devido à insularidade, ou seja,
pelo
facto de sermos ilhas. Por isso, a procura de uma solução que consiga aproximar
o governo das ilhas sempre esteve na cogitação dos partidos, desde os primórdios
da independência.
Porém,
a distância do governo central para com as ilhas foi sendo suprimida pelas
Câmaras Municipais que, dotadas de meios, através da assinatura dos
contratos-programa com o Governo central, iam garantindo a articulação entre as
políticas de índole local e governamental.
Na
verdade, só um poder local, com vontade e capacidade, pode responder aos
desafios das ilhas nos actuais moldes em que se encontram definidos os órgãos
de soberania nacional. A Câmara Municipal é, por inerência, o poder mais
próximo das pessoas, tendo, de acordo com o Estatuto dos Municípios de Cabo
Verde, sob a sua alçada, todos os assuntos que diretamente influenciam a vida
dos munícipes. Porém, não podemos deixar de notar que, por falta de recursos
financeiros e sobretudo humanos, não lhes é possível dar cobro a todas as
necessidades nas ilhas. Como é sabido uma das consequências da crise foi o
congelamento das admissões na administração pública o que não permitiu que as
Autarquias renovassem os seus quadros e correspondessem, de forma adequada, aos
desafios que lhes coloca o tempo presente.
O
municipalismo em Cabo Verde foi bom até ao momento em que os municípios-ilha,
como é o nosso caso e o de São Vicente, não tiveram mecanismos suficientemente
diferenciadores com os restantes municípios. Uma ilha não é só um município,
ela corresponde a um território, político, identitário, cultural e económico
muito importante que deve ter nas leis basilares da república mecanismos que
permitam que esta parte do território seja reconhecida como tal e tenha
condições de preservação das
identidades
culturais, mas também, de desenvolvimento e crescimento económico. Por outro
lado as ilhas têm problemas específicos como a contínua necessidade de melhoria
nos sistemas de proteção civil, das condições de prestação de cuidados de
saúde, de melhoria dos sistemas de transportes, pelo que se espera que a
regionalização vá criar estas condições
Em
termos políticos, a necessidade da regionalização extrapola o tempo presente e
as necessidades económicas sentidas pelas ilhas para o desencadeamento do
processo. Apesar da regionalização atualmente discutida ser a regionalização
administrativa, há uma questão política importante e que carece de reflexão: o
problema político reside no facto de que, no atual sistema politico nacional é
muito fácil que um deputado da Assembleia Nacional bem-intencionado vote
favoravelmente a um projeto de lei ou uma lei que prejudique a sua ilha natal
ou concelho de onde vem. Tal acontece porque, quando eleito, o deputado
representa a nação ou mais, propriamente, o Estado e ao querer representar
todos corre o risco de não representar ninguém. A reforma do parlamento, há
muito tempo prometido, deve repensar o modelo de representação dos nossos
cidadãos e adotar, o quanto antes, um sistema de representação direta, através
da criação de círculos uninominais, que permitirão a responsabilização direta
dos representantes da soberania pelos representados.
O
processo de regionalização decorre do crescimento económico heterógeno, isto é,
bastante desigual em Cabo Verde, da desigualdade nas dinâmicas económico e
social, com principal enfoque na perda da população, da incapacidade, ou
impossibilidade, das autoridades locais, principalmente as autarquias locais,
de responderem aos desafios de
crescimento
económico e desenvolvimento e ainda devido ao défice de representatividade das
ilhas na agenda política nacional.
Estes
são desafios do nosso tempo que colocam a regionalização sobre uma forte
expectativa: Será que a regionalização irá resolver todos os problemas de
representação política, de construção de programas direcionados para o
bem-estar das ilhas e na edificação de uma visão ampla de desenvolvimento para
das ilhas? É o que tentaremos esmiuçar no próximo artigo.
Jonathan
Vieira
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